quinta-feira, 19 de abril de 2012

Da digestão das coisas.

Comecei há alguns dias a apresentar os alimentos ao Breno, que agora passados 6 meses, já pode colocar algo no estômago além do leite materno.
O médico não apresentou muitas restrições à introdução de frutas e legumes, e até sugeriu que já comecemos a misturar carne e frango nas "papinhas". A parte mais chata disso tudo é que, apesar de passar os dias me mordendo e tentando mastigar tudo o que vê pela frente, como a maioria dos bebês, ele ainda não tem dentes! O que significa que a maior, quase obrigatória recomendação, é a consistência da comida. Até a mínima parte não amassada da cenoura, ou um pedaço de carne que não passou direito pelo liquidificador, já é suficiente para desencadear um acesso de tosse - e me colocar logo em pânico com a situação. O motivo é simples: ele não está acostumado. A digestão fica mais difícil, o intestino incomoda, o cheiro muitas vezes não agrada, o sal traz mais sede.
É aí que a gente pensa (tanto ele, quanto eu): eu era feliz e não sabia!
Acho engraçado como a digestão é algo tão simples e ao mesmo tempo tão complicado. A parte simples é porque se trata de um processo natural e fisiológico; a parte complicada é porque o psicológico afeta diretamente esse processo (e todos os outros).
Pare pra pensar no número de coisas que digerimos todos os dias, ao longo da vida. Não me refiro à comida, e sim ao resto. Todo o resto.
Para alguns, fica mais fácil digerir as coisas se acompanhadas de uma cerveja, um vinho, um cigarro. Para outros, é mais fácil digerir à base de Coca Zero e muito, muito chocolate.
O fato é que a introdução da comida quando somos pequenos, é (ou deveria ser) preparatória para o futuro.
Enquanto somos bebês, tem sempre alguém que cozinha, bate, amassa e ainda separa cuidadosamente os grãos maiores da comida para melhorar nossa digestão. Engolimos com tanta facilidade!
Aos poucos a consistência muda, gradativamente, até a gente se acostumar.
Depois de um certo tempo, o estômago que se vire. Não é à toa que o danado se revolta passados alguns anos: úlcera, gastrite, borboletas, frio, calor, queimação...o coitado passa por tanta coisa!
Fora as coisas que, por mais que a gente se esforce, demora anos pra digerir. Algumas, nunca chegam a "descer".  A gente bem que tenta: bebe água, sal de frutas, dá uma volta, respira....e quando achamos que o processo acabou, lá está aquilo tudo de volta, deixando o gosto amargo na boca outra vez.
As pessoas à nossa volta deveriam pensar melhor antes de derramar um monte de bobagens sobre nós, todos os dias. Outras, nem imaginam o impacto que certas palavras, ou certas atitudes, têm sobre nós.
Simplesmente fazem e falam, e aí, a digestão é a com a gente. E como é complicada.
Não desce, não sai, fica lá, entalado no caminho entre a garganta e o estômago. E isso, não tem antiácido que resolva: o único remédio é o tempo.
É a nossa capacidade de digerir que vai determinar as marcas, os traumas, as cicatrizes que tudo isso vai causar dentro da gente. Às vezes percebo um processo digestivo acontecendo sem nem saber do quê. Não é à toa que as enfermidades do estômago sejam frequentemente associadas ao emocional.
Só sei que, mesmo já tendo se passado 26 anos da minha vida, muitas vezes me pego pensando: será que alguém podia amassar umas verdades, umas mentiras, uns desaforos e umas ironias do destino pra mim? Será que assim eu consigo finalmente completar a digestão, sem que nenhum pedaço deles me sufoque?
Meu estômago parece capaz de lidar facilmente com feijoada, hamburguer, batata frita, farofa, e até administra bem o fato de eu precisar sempre de uma Coquinha Zero e uns bombons todo santo dia, para conseguir manter a sanidade do resto do organismo. Ele só não se acostuma é com a digestão difícil de verdade...as mágoas, a decepção, a indiferença, a maldade, a infelicidade alheia....essas, não descem de jeito algum!


Tem coisa que é tão difícil de engolir!