quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Cadê a borboleta daquele casulo?!

Um belo dia, saindo de casa para a garagem, estava como de costume carregando em minhas únicas duas mãos (que deveriam ter se reproduzido na mesma proporção em que eu pus as crianças no mundo, mas não o fizeram) milhares de coisas, incluindo um bebê conforto com 8kgs dentro (leia-se aqui Breno, e normalmente reclamando), bolsa de fraldas, minha bolsa, sacolas de roupas pra trocar (que eu sempre tenho, não importa a época) e ainda dando uma das mãos pro Théo não sair correndo.
Foi no meio de todo o caos rotineiro da saída de casa, que parei um segundo diante de um dos vasos, sem flores como sempre - que ficam em cima de um pedestal, um de cada lado da porta da entrada - e reparei em um casulo, verde, pendurado do lado de fora do que estava à direita. Após colocar tudo dentro do carro, cada coisa em seu devido lugar, ignorar por alguns segundos o choro do Breno e o horário que devíamos ter para um compromisso qualquer, voltei até lá para observar melhor: um casulo de borboleta!
Sou uma pessoa engraçada, imprevisível eu diria. E não só eu. É comum alguém exclamar: "Eu nuuunca imaginei que você faria isso", ou "Você é a última pessoa que eu pensei que gostasse disso". E devo confessar, gosto de ser assim...não existe nada pior do que ser uma pessoa monótona. E isso, garanto, repito e assino em cartório: NÃO SOU!
O curioso da história, é que eu sou daquelas que diz que quando tiver uma casa, não vai criar nem planta. Já me bastam as crianças pra demandar cuidados! Não sou daquelas que ligam pra cachorro, gato, hamster, peixes....mas às vezes me encanto quando vejo um beija-flor que passa rente à piscina, uma libélula que vem beber água perto de mim, e até mesmo me apego e me pego admirada por um casulo, que teoricamente, ainda não é sequer um animal.
Fui ate lá e levei o Théo comigo, sempre achando que posso ensinar alguma coisa útil com as coisas bobas do dia-a-dia, e ainda gritei pra minha mãe que estava dentro do carro: "Olha, que lindo! Logo, logo nasce uma borboleta." O Théo saiu correndo e não disse, mas deve ter achado uma coisinha feia e nojenta, e eu tentei explicar e faze-lo, do alto dos seus 4 anos, entender que aquilo podia parece banal, mas escondia um lindo significado.
Com meu dom de refletir por minutos, horas, dias e às vezes até anos, a partir da coisa mais trivial do mundo que aparece pelo caminho, nada melhor que a metáfora da borboleta para que eu começasse logo a pensar: "Como é a vida, as coisas começam de um jeito e depois mudam"; "O que é feio depois se torna bonito", e muito mais pensamentos comuns à idéia da metamorfose, aconteceram por causa da "suposta" borboleta.
Dali em diante, peguei a mania de observar diariamente aquele casulo, na esperança de que eu notasse logo alguma mudança, e sempre esperando ser aquele o dia em que eu veria algo novo por ali. Sempre com medo de que algum cachorro resolvesse morde-lo, ou de que alguém menos avisado batesse o guarda-chuva naquele ser tão frágil. Isso tudo ocorria em uma fração de segundo - a minha observação e toda essa expectativa -  dia após dia. Já havia se tornado um hábito.
Nada acontecia de extraordinário, até que um dia notei que o casulo começara a rachar, havia algumas pequenas fissuras, o que foi suficiente pra que eu esperasse que, de repente, mais dia, menos dia, uma linda borboleta saísse voando dali. Que emoção, uma das criaturas mais lindas da natureza, escolheu a minha garagem pra dar início à sua vida!
Ninguém parecia dar a mesma importância para o casulo. Aquela expectativa toda era só minha. Já podia imaginar de qual cor ela seria, qual tamanho, quantas manchas....mesmo que eu nunca chegasse a vê-la, se ela saísse voando antes mesmo de eu ter a chance de comprovar tudo o que eu pensava sobre ela, eu estava feliz pela simples idéia de uma borboleta ter nascido na minha garagem. Mais essa história pra contar, sabe lá pra quem, ou quando, ou por que, mas de qualquer maneira estaria guardada dentro de mim.
Um dia depois de ter me animado com o fato do casulo estar rachado - o que na minha cabeça significava que ela estava realmente se desenvolvendo ali dentro - saindo com pressa, mas parando para minha contemplação diária, vi um líquido escuro escorrendo pelo vaso. Talvez fosse normal, ou não, não sabia ao certo o que pensar. De qualquer maneira, não arranquei o casulo de lá com medo de que ainda houvesse vida, e não seria eu a acabar com aquilo. Mais uns dias observando e era isso, nada aconteceu. E foi esse o fim da minha borboleta! O líquido preto realmente significava o fim do desenvolvimento daquele ser que eu esperei ansiosamente por tantos dias.
Não sei quem o tirou do vaso e o jogou fora, só sei que não fui eu. Não tive coragem.
Por um longo tempo, fiquei pensando sobre isso. E vi que na verdade, a falha natural da vida daquela borboleta, é que me faria refletir sobre coisas fora do lugar-comum, e que, se adaptam perfeitamente ao contexto de muitas coisas que vivemos.
Temos a terrível - quase fatal, eu diria - mania de querer adivinhar, ou melhor, de tentar prever, situações futuras. O simples fato de vermos um casulo, já nos faz pensar, desejar, e até contar, com uma borboleta que pode ou não acontecer a partir dali.
Assim é a vida: uma borboleta com certeza já foi casulo um dia, mas a existência de um casulo não garante que haverá borboleta. Além disso, a expectativa da borboleta muitas vezes se torna tão real, que quando ela não acontece temos aquela terrível sensação de luto, por algo que na verdade nunca existiu, nunca nos pertenceu. Por algo que ninguém garantiu que existiria, simplesmente porque alguém supôs que assim seria, e que durante um tempo (talvez até a vida inteira) se agarrou em tal idéia e contou tanto com isso, como se as coisas fossem certas e sabidas, como se nada pudesse dar errado. E quem sabe, talvez aquele casulo nem de borboleta fosse!
O que nos esquecemos no meio de tudo, de toda paranóia, de toda loucura, de toda a expectativa, é que uma borboleta não irá nascer só porque queremos que isso aconteça. Claro que podemos - e devemos - colocar algum esforço para que dê certo, mas muitas coisas fogem do nosso alcance, e são justamente essas as que mais tememos. A concretização de nossas expectativas depende de muitos outros fatores além da nossa vontade!
O ser humano pensa que tem, mas na verdade, nunca teve, não tem e nem nunca terá, o controle de tudo nas mãos. Ao contar com a borboleta que sairá do casulo, estamos brincando de ser Deus.
Devemos aprender, por mais doloroso e difícil que seja, e por mais que isso fuja aos nossos hábitos de uma vida inteira, a sonhar menos com as borboletas e sim, se importar bastante com os casulos, mas também reparar na paisagem à sua volta, nos outros seres que estão ali, que são reais e palpáveis. Talvez não tão belos e sedutores como as borboletas, mas que também nascem e mudam nossas vidas o tempo todo.
Por mais impossível que pareça, vamos todos começar a chorar mais pelas borboletas que saíram dos casulos e depois morreram, e menos por aquelas que existiram na nossa cabeça e no nosso coração, mas que nunca sequer chegaram, de fato, a viver.
No final das contas - e essa sim é uma bela metáfora para a vida - o casulo me ensinou muito mais quando se transformou em "nada", do que se tivesse se transformado na tão bela e sonhada borboleta!

Obrigada, casulo!